domingo, 11 de agosto de 2013

Papa Francisco: a juventude e os idosos

Trecho que trata sobre a juventude, dinheiro, idoso, manipulação, extraído da entrevista do Papa Francisco concedida ao jornalista Gerson Camarotti

A entrevista completa durou 45 minutos, diante de um homem simples e de muito carisma. Bem humorado, repetiu a brincadeira sobre antiga rivalidade entre brasileiros e argentinos.

“O povo brasileiro tem um grande coração. Quanto à rivalidade, creio que já está totalmente superada, porque negociamos bem: o Papa é argentino e Deus é brasileiro”, brincou.

O Papa Francisco falou sobre a simplicidade que escolheu como forma de vida. Explicou algumas decisões, como, por exemplo, o carro popular para se locomover no Brasil, de forma clara e direta.

“O povo sente seu coração magoado quando as pessoas consagradas são apegadas a dinheiro. Isso é ruim. Acredito que Deus está nos pedindo, neste momento, mais simplicidade. É algo de dentro, que alegra o espírito”, disse. 

Leia a parte que destacamos e reflita:

Gerson Camaroti : Estamos na jornada mundial da juventude – Sua mensagem num momento em que os jovens estão nas ruas do Brasil, protestando e demonstrando insatisfação de uma forma muito ampla. Eu queria saber qual a mensagem pra esses jovens?

Papa Francisco: Em primeiro lugar, tenho que deixar claro que não conheço os motivos dos protestos dos jovens. Então se digo algo a respeito sem tomar conhecimento, faço mal, faço mal a todos, pois estaria dando uma opinião sem fundamento. Com toda a franqueza, não sei bem por que os jovens estão protestando.

Primeiro ponto. Segundo ponto: um jovem que não protesta não me agrada. Porque o jovem tem a ilusão da utopia, e a utopia não é sempre ruím. A utopia é respirar e olhar adiante. 

O joven é mais espontâneo. Menos experiência de vida, é verdade. Mas às vezes a experiência nos freia. E ele tem mais energia para defender suas ideias. O jovem é essencialmente um inconformista. E isso é muito lindo! Isso é algo comum a todos os jovens. 

Então eu diria que, de uma forma geral, é preciso ouvir os jovens, dar lugares de se expressar, e cuidar para que não sejam manipulados. Porque há tanta exploração de pessoas - trabalho escravo, por exemplo – há tantos tipos de exploração… Eu me atreveria a dizer uma coisa, sem ofender. 

Há pessoas que buscam a exploração de jovens. Manipulando essa ilusão, esse inconformismo que existe. E depois arruínam a vida dos jovens. Portanto, cuidado com a manipulação dos jovens. Temos sempre que ouvi-los. Cuidado. 

Na família, um pai, uma mãe que não escutam o filho jovem, o isolam, geram tristeza na alma dele. E não experimentam uma troca enriquecedora. Sempre há riqueza. Evidentemente, com inexperiência. Mas é preciso ouvi-los. E defendê-los de manipulações diversas – ideológica, sociológica. 

O caminho é ouvir, dar-lhes voz. Isso me leva a outra problemática – que hoje, de alguma maneira, explicitei na Catedral, quando me encontrei com o grupo argentino. 

Quando recebi um grupo de embaixadores que vieram me apresentar suas credenciais, disse que o mundo atual, em que vivemos, tinha caído na feroz idolatria do dinheiro. 

E que há uma política mundial, mundial, muito impregnada pelo protagonismo do dinheiro. Quem manda hoje é o dinheiro. Isso significa uma política mundial economicista, sem qualquer controle ético, um economicismo autossuficiente, e que vai arrumando os grupos sociais de acordo com essa conveniência. 

O que acontece então? Quando reina este mundo da feroz idolatria do dinheiro, se concentra muito no centro. E as pontas da sociedade, os extremos, são mal atendidos, não são cuidados, e são descartados. 

Até agora, vimos claramente como se descartam os idosos. Há toda uma filosofia para descartar os idosos. Não servem. Não produzem. Os jovens também não produzem muito. São uma carga que precisa ser formada. 

O que estamos vendo agora é que a outra ponta, a dos jovens, está em vias de ser descartada. O alto percentual de desemprego entre os jovens na Europa é alarmante. 

Não vou dizer quais são os países europeus, mas vou citar dois exemplos, de dois países ricos da Europa, sérios, sobre desemprego. Um deles tem um índice de desemprego de 25%. Mas nesse país, o índice de desemprego juvenil é de 43%, 44%. 43%, 44% dos jovens desse país estão parados. Outro país tem um índice de trinta e tantos por cento de desemprego geral. Enquanto o desemprego entre os jovens já passou de 50%. 

Nós vemos um fenômeno de jovens descartados. Então para sustentar esse modelo político mundial, estamos descartando os extremos. 

Curiosamente, os que são promessa para o futuro. Porque o futuro quem nos vai dar são os jovens, que seguirão adiante, e os idosos, que precisam transferir sabedoria aos jovens. Descartando os dois, o mundo desaba. 

Não sei se me expliquei bem…Falta uma ética humanista em todo o mundo, estamos falando de um problema mundial. Nesses termos, conheço o problema. Os detalhes de cada país, nem tanto. E se me der um minuto a mais, direi algo mais sobre esse tema. 

No século XII, e você já vai me lembrar de São Tomás de Aquino… No século XII havia um rabino muito bom que escrevia. O rabino explicava à sua comunidade, com fábulas, os problemas morais que havia em algumas passagens da Bíblia. 

Uma vez, explicou a torre de Babel. O rabino medieval, do século XII, explicava assim: qual era o problema da torre de Babel? Por que Deus o castigou? Para construir a torre, era preciso fabricar os tijolos. Trazer o barro, cortar a palha, amassá-los, cortá-los, secá-los, cozinhá-los, e depois levá-los ao alto da torre, para ir construindo. Se caia um tijolo, era uma catástrofe nacional. Se caia um operário, nada acontecia. 

Hoje, há crianças que não têm o que comer no mundo. Crianças que morrem de fome, de desnutrição, basta ver fotografias de alguns lugares do mundo. Há doentes que não têm acesso a tratamento. 

Há homens e mulheres que são mendigos de rua e morrem de frio no inverno. Há crianças que não têm educação. Nada disso é notícia. Mas quando as bolsas de algumas capitais caem 3 ou 4 pontos, isso é tratado como uma grande catástrofe. Compreende? 

Esse é o drama desse humanismo desumano que estamos vivendo. Por isso é preciso recuperar os extremos, crianças e jovens. E não cair numa globalização da indiferença em relação a esses dois extremos que são o futuro da população. Perdoe se me estendi e falei demais. Mas acho que com isso lhe passei o meu ponto de vista. 

O que está acontecendo com os jovens no Brasil não sei. Mas, por favor, que não os manipulem, que os escutem, porque esse é um fenômeno mundial, que vai muito além do Brasil.

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