segunda-feira, 29 de abril de 2013

Julgamento do mensalão não valeu nada?





O mais rumoroso caso de corrupção já julgado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) viverá nos próximos dias um capítulo de incertezas e embates, capaz de mudar o desfecho da ação penal que condenou gente graúda à cadeia. 

A publicação do acórdão do mensalão e a apresentação dos recursos pela defesa dos acusados devem forçar os ministros a rediscutirem as penas impostas a 12 dos 25 réus enquadrados por lavagem de dinheiro e formação de quadrilha.

A nova análise dos casos pode causar uma reviravolta no resultado, livrando condenados da prisão e reduzindo substancialmente as penas impostas. Esse é um cenário que, se consolidado, vai abalar o simbolismo de um julgamento considerado o marco contra a cultura da impunidade no Brasil. 

As possibilidades mais estarrecedoras dessas mudanças envolvem as chances de o ex-ministro José Dirceu e seus parceiros, o deputado federal João Paulo Cunha (PT-SP) e o ex-tesoureiro Delúbio Soares, não irem para a prisão.

Os três integrantes do núcleo político do esquema dependem apenas de mais um voto para que sejam reduzidas as penalidades que receberam e, a partir de então, serem enquadrados no regime semiaberto, aquele em que o preso fica em liberdade durante o dia, permanecendo no presídio somente à noite e nos fins de semana. 

Pelo placar atual, Dirceu, João Paulo e Delúbio ficariam presos em regime fechado, pois foram condenados a cumprir pena superior a oito anos de detenção.

O presidente do STF, Joaquim Barbosa, sabe do impacto negativo que essa mudança nas condenações iniciais pode provocar à imagem do Judiciário. Por isso, desde a semana passada, ele tem feito discursos para outros integrantes da Corte, alegando que o STF não deve reconhecer os embargos infringentes. 

Trata-se dos recursos capazes de provocar a nova discussão das sentenças que tiveram pelo menos quatro votos pela absolvição. Barbosa argumenta que uma lei de 1990 proibiu esse tipo de recurso no Supremo e a Corte apenas deixou de atualizar o próprio Regimento Interno. 

O presidente chegou a cogitar a votação de um artigo modificando as normas internas, mas foi alertado que alguns ministros, e advogados dos condenados, poderiam reagir, acusando-o de casuísmo para prejudicar os réus. Barbosa desistiu, mas seguiu pregando nos bastidores sobre a importância de cada voto durante o julgamento. 

Ele tem lembrado aos colegas que os ministros aposentados Carlos Ayres Britto e Cezar Peluso foram defensores de penas duras e que a nova composição da Corte pode interferir diretamente nesse resultado. De fato, além de desrespeitar a decisão de ministros da própria corte, a reviravolta representaria uma desmoralização do julgamento.

A maior preocupação é com a postura a ser adotada pelo novato Teori Zavascki. Ele não participou do julgamento inicial, mas se transformou na grande esperança da defesa dos mensaleiros que preparam os recursos. Caso Zavascki vote favoravelmente aos réus, ele terá o poder de empatar o jogo e mudar quase metade das condenações. 

O ministro sabe da influência que terá no desfecho do mensalão. Por isso, tem evitado receber advogados e conversar com colegas sobre o assunto. Nos últimos dias, seu gabinete recebeu nove pedidos de audiência referentes ao caso, mas a ordem dada por ele foi para protelar os encontros. Não significa, porém, que ele vai se revestir de bom senso e não se envolver no placar do julgamento. 

Para pessoas próximas, ele afirmou que não sente desconforto para julgar os recursos de uma ação penal que não acompanhou desde o início. Ele, inclusive, já participou da votação que ampliou o prazo para a apresentação dos embargos pela defesa dos acusados. Sua posição foi decisiva para conceder mais prazos para as defesas analisarem o acórdão. 

E, de acordo com ministros ouvidos por ISTOÉ, Zavascki tende a ajudar a consolidar a maioria favorável aos embargos infringentes, forçando uma possível alteração nas penas dos mensaleiros. Diferentemente do que pensa Barbosa, ele acredita que ignorar o Regimento Interno em pleno curso de um processo julgado pelo STF pode engessar as chances da defesa.

Outro sinal evidente de que Zavascki vai dar o voto decisivo pela diminuição da pena de Dirceu, Delúbio e companhia é que, em votos proferidos desde que assumiu a cadeira de ministro do STF, ele tem defendido as chances de defesa dos acusados. Mesmo em casos evidentes de manobras para protelar o fim das ações. 

No final do ano passado, por exemplo, Zavascki votou favorável à anulação do julgamento de Vitalmiro Bastos de Moura, condenado pelo assassinato da missionária norte-americana Dorothy Stang, ocorrido em 2005. O ministro considerou o argumento do acusado – já condenado a 30 anos de reclusão pela 2ª Vara do Tribunal do Júri de Belém –, de que houve cerceamento de defesa porque o advogado não compareceu e a defensoria pública teve apenas 12 dias para conhecer o processo. 

Em duas outras decisões, o ministro defendeu que a regra que beneficia réus em casos de empates também se aplicaria ao julgamento de Recursos Especiais. Seus argumentos foram seguidos por outros ministros e influenciaram o desfecho de ambas as ações beneficiando os réus. 

No texto do acórdão do mensalão, publicado na semana passada, outros três ministros fizeram referências à possibilidade desse recurso que beneficia os mensaleiros: Celso de Mello, Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski. Eles sustentam que os chamados embargos infringentes vão anular argumentos sobre cerceamento da ampla defesa.

Se a reviravolta for consumada realmente, como tudo leva a crer, colocará em xeque o resultado do maior caso julgado pelo Judiciário brasileiro, demonstrando que os quatro meses de discussões e os votos consistentes em favor das condenações dos réus do mensalão podem não ter servido de nada.

QuidNovi/Fotos: ANDRÉ DUSEK; Roberto Castro; Orestes Locatel; Adriano Machado/AG. ISTOÉ; JB NETO/ag. estado; Alan Marques/Folhapress; Divulgação

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