terça-feira, 14 de maio de 2013

Sem-terra, agora, luta por petróleo.

A Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis (ANP) inicia hoje o primeiro dos dois dias reservados para os leilões de concessão de novas áreas de exploração em terra e no mar, marcando a retomada das licitações do setor, suspensas desde 2008. 

Por quase cinco anos, a destinação de novos poços ficou paralisada em virtude do anúncio da descoberta das gigantescas jazidas do pré-sal e das batalhas que se seguiram no Congresso em torno dos projetos para estabelcer um novo marco regulatório.

A 11ª rodada da ANP, em sua sede no Rio de Janeiro, começa às 9 horas. Conforme o desenvolvimento da disputa pelos blocos, o leilão pode terminar hoje ou se esticar até amanhã. 

Estão inscritas para o certame 64 empresas, sendo 30 como operadoras para águas profundas. A agência reguladora não informou, contudo, quantas delas efetivaram o depósito das garantias para participar da disputa dos 289 blocos ofertados. A expectativa do governo é testar o apetite internacional, antes dos próximos leilões.

Para as licitações de hoje serão aplicadas as mesmas regras das últimas 10, que ocorreram de 1999 a 2008. As companhias petrolíferas que preencheram os requisitos da ANP podem concorrer pelo direito de exploração sozinhas ou em consórcios. 

Caso encontrem petróleo ou gás, poderão produzir e vender livremente os volumes em troca do pagamento de royalties e de uma taxa de manutenção de contrato.

Ontem, movimentos sociais realizaram protestos em diferentes capitais do país contra a participação de empresas nacionais e estrangeiras nos leilões. 

Em Brasília, grupo de aproximadamente 800 manifestantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) barrou o acesso de servidores ao Ministério de Minas e Energia. 

Eles tomaram a entrada do edifício, na Esplanada, por volta das 5h30. Os mais prejudicados foram os funcionários do Ministério do Turismo, lotados no mesmo local. Protestos de sindicatos são esperados para hoje, na sede da ANP, no Rio.

Os integrantes do MST vieram de vários estados. Eles bloquearam as duas entradas do prédio e permaneciam no local até o fechamento desta edição. Os líderes do movimento consideram que a "privatização dos blocos" renderá um ganho superior a R$ 1 trilhão para as multinacionais e não para o governo, como defendem. 

Em outra frente, sindicalistas foram recebidos pelo senador Roberto Requião (PMDB-PR), que leu uma carta redigida pelo MST, durante reunião no Senado, mas sem indicar atendimento aos pedidos.

Contradições

O Correio conversou com algumas famílias que decidiram acampar na Esplanada dos Ministérios. Poucas sabiam o real motivo de estarem ali. Muitas acreditavam que o governo havia comprado terras e que seriam ali seriam distribuídas. 

"Não estou sabendo dessa história de petróleo, não", disse uma mulher, sem se identificar. Ela contou que perdeu a casa na cidade de Trevo, interior do Goiás, há um ano, devido ao transbordamento de um rio próximo do local. "A água invadiu tudo e perdemos a nossa casa. Agora, estamos esperando ganhar nosso pedaço de chão para voltar a plantar", acrescentou.

O casal Adão Hélio Siqueira, 28 anos, e Regiane Siqueira, 29, também não sabia ao certo por que foi convocado para estar ali. "Sei que tem um lance de doação de terra aí. Mas não me disseram muitos detalhes", contou Adão. 

Ao serem questionados se tinham conhecimento sobre os leilões do petróleo, ambos disseram nada sabiam sobre esse assunto. "Não sei. Estamos esperando a nossa terra. Não dá para morar mais em barracos", disse Regiane.

Apesar de pacífico, o movimento irritou muitos servidores que tentaram passar pelas portas principais do Ministério de Minas e Energia e foram barrados. Claudia Mendonça, 35, teve que entrar pela garagem, pois foi impedida pelos manifestantes. "Isso é um absurdo. Eles têm o direito de protestar, mas sem atrapalhar os outros", comentou .

Outras entidades também engrossaram a ocupação, como o Movimento dos Atingidos por Barragem (MAB), a Via Campesina e a Federação Única dos Petroleiros (FUP). 

"Nossa proposta é que os recursos gerados com a venda do petróleo passem a ser investidos na reforma agrária e na educação do país", destacou o coordenador nacional do MAB, Moisés Borges. 

João Antônio Moraes, coordenador da FUP, alegou que acampar na porta do ministério foi a última saída encontrada para expor as reivindicações, em razão da resistência do governo. 

"Juntamos nossas forças às de outros movimentos sociais para tentar suspender esses leilões", destacou. Ele acrescentou que o movimento continuará pressionando para que os pleitos possam ser atendidos.

O deputado federal Ivan Valente (PSOL-SP) protocolou ontem na Justiça Federal de São Paulo com outros parlamentares ação popular com pedido de liminar para que a 11ª rodada seja suspensa. Os autores reclamam que estão em jogo aproximadamente 30 bilhões de barris de petróleo . 

"A quantidade representa o dobro das reservas brasileiras reconhecidas que estão fora do pré-sal", argumentam. Eles ainda alegam falta de estudos ambientais aprofundados sobre os blocos em licitação.

Conteúdo local

O calendário fixados pela ANP prevê a entrega das ofertas mediante formulários-padrão, com envelope lacrado, junto de uma versão digital. As propostas serão apresentadas conjuntamente, em um único pacote, mesmo se for feita via consórcio. 

Elas serão julgadas de acordo com a quantia que os candidatos concordarem em pagar pelos direitos de exploração. Haverá exigência de uso de equipamentos e serviços nacionais, em cotas de 37% a 55% na fase exploratória de áreas a partir de 100 metros de profundidade.

As próximas rodadas estão previstas para outubro e dezembro. A 12ª vai oferecer áreas com potencial de descobertas de gás e a 13ª envolverá, finalmente, os blocos na área exclusiva do pré-sal, dentro do novo regime de partilha da produção. Nesse caso, a Petrobras será a operadora única da área, com obrigação legal de participar com no mínimo 30% da proposta.

Após o leilão, a ANP espera concluir em agosto os contratos de longo prazo com os vencedores. Os ganhadores terão de cinco a oito anos, conforme o bloco, para encontrar petróleo e declarar a área comercialmente viável ou devolver os direitos.

O Globo

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