segunda-feira, 17 de junho de 2013

Juiz prova de seu próprio veneno

A professora estadual preparava, no apartamento residencial, a aula para o turno da tarde. As crianças estavam no colégio e o marido no foro, onde exercia a magistratura. De repente, o porteiro avisa pelo interfone:

- Está aqui um oficial de justiça...

Antes que a informação fosse completada, a professora permitiu:

- Diga-lhe que suba, por favor - acreditando que o visitante estivesse trazendo talvez um malote com processos para o marido.

Introduzido no apartamento e satisfeito com a fidalguia (“o senhor aceita um cafezinho?”), o oficial de justiça ficou constrangido e desculpou-se:

- Sei que é desagradável, mas estou aqui para cumprir uma ordem de despejo, por falta de pagamento de aluguéis. Breve estará chegando um caminhão da empresa de mudanças e eu, sem querer causar-lhe constrangimentos, pediria que a senhora facilitasse o meu trabalho.

A professora quase desabou - pediu para olhar o mandado e, atônita, constatou e informou:

- Esse mandado está assinado pelo meu marido... deve haver um engano. Nós moramos aqui há quatro anos, o imóvel é de nossa propriedade e sempre pagamos nossas contas em dia.

Feita uma ligação para o cartório judicial, o juiz interrompeu a audiência que presidia e ouviu atônito, sucessivamente, o relato da própria mulher e do oficial de justiça.

Esclarecidas as coisas e suspenso o despejo, o oficial voltou ao foro e, na vara, escutou a mesma explicação que o ativo juiz teve que, depois, na hora do almoço, dar para a esposa.

Como os magistrados não costumam ler nada porque quem prepara tudo são seus assessores, ele próprio, no final de uma sentença, concluíra: “isto posto, decreto o imediato despejo do inquilino residente na rua Vasco da Gama nº xxx, apto. yyy. Expeça-se mandado”. Acabou provando de seu próprio veneno.

A sentença era justa, jurídica e, como de hábito, reveladora de que o prolator dera pronta prestação jurisdicional. Só que, por equívoco, colocara seu próprio endereço residencial. Era - como até hoje se comenta na vara - “o autodespejo”.

Feitas as correções etc, foi expedido novo mandado, dessa vez efetivamente cumprido na rua Cabral nº xxx, apto. yyy.

A coincidência fora a de que ambos os endereços - no mesmo bairro - homenageavam vultos pátrios. Na semana seguinte, o juiz entrou em férias para se recuperar da estafa, causada pelo comparecimento ao trabalho: sempre os dois turnos completos, de segunda a sexta - e, às vezes, também aos sábados e domingos.

Assiduidade que, a propósito, hoje não se vê mais...

Blog do Eduardo Homem de Carvalho

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