domingo, 9 de junho de 2013

Obama, o xereta

Obama: 'Ninguém está ouvindo' 
(Larry Downing/Reuters)
“As pesquisas mostram crescente inquietação [dos cidadãos americanos] com xeretagem nos seus telefones e e-mails”,escreveu na quinta-feira, aqui ao lado, o colega Caio Blinder sobre o novo escândalo que sacudiu o governo americano, o dos grampos mantidos em telefones e e-mails de milhões de pessoas. 

Ontem, em entrevista coletiva, o presidente Barack Obama tentou se explicar: “Ninguém está ouvindo as ligações”.

De modo compreensível, vem-se falando em Big Brother, numa referência ao misterioso líder do Estado totalitário e onisciente imaginado pelo escritor George Orwell em seu romance distópico “1984” – mas deve-se reconhecer que o reality show homônimo tirou em parte o impacto da imagem. 

Fala-se também em espionagem, palavra que tem a desvantagem de se fazer acompanhar de certa aura aventureira que soa descabida num universo de bisbilhotice de gabinete. É por isso que gostei do emprego do verbo xeretar.


A princípio, a ideia de um Obama xereta pode parecer uma atenuação da gravidade da crise. 

É inegável que a palavra – que derivamos do verbo cheirar (a forma original, registrada em 1913, era “cheireta”) com o acréscimo do sufixo de origem latina “eta”, que forma diminutivos – sugere algo de infantil e brincalhão, embora seja definitivamente pejorativa. 

Xereta é quem mete o nariz onde não é chamado, algo muito próximo, na forma e no conteúdo, do adjetivo inglês nosy (ounosey).

Um bom sinônimo de xereta é bisbilhoteiro, termo mais antigo (do século XVIII) que fomos buscar no italiano bisbigliatore. Mas este carrega ainda, além do sentido de abelhudo, uma acepção mais colada no original estrangeiro: a de fofoqueiro, intrigante.

Apesar do ar simpático, o que a palavra xereta faz pela compreensão da crise americana não tem, a meu ver, nada a ver com minimizá-la. 

Pelo contrário: xeretar é aproveitar a chance de, com facilidade e sem risco para a segurança do xereta, quebrar uma relação de confiança para meter o nariz em assuntos que deviam ser secretos. 

Espionar costuma incluir algum perigo para o espião. Xeretar é um ato fundamentalmente covarde, embora, como se vê, também tenha sua dose – que não é pequena – de risco político.

Sérgio Rodrigues/Veja

Nenhum comentário: