quinta-feira, 8 de agosto de 2013

A alma da fome é política

Herbert de Souza, o Betinho.
O combate à fome exige radicalidade. Não há como negociar com uma das condições mais indignas já produzidas pela espécie humana. 

“A alma da fome é política”, disse, certa vez, o saudoso Herbert de Souza, nosso Betinho, que puxou um forte movimento nacional contra o flagelo da fome e continua como uma das importantes inspirações, ao lado de outros tantos, como Josué de Castro e Dom Hélder Câmara. Betinho dizia, corretamente, que a fome é exclusão

Em 1985 Betinho, após ter sido contaminado pelo HIV, contraído numa de suas inúmeras transfusões de sangue em virtude do tratamento da hemofilia, fundou a ABIA, uma associação para lutar pelos direitos das pessoas portadoras do HIV ou dos doentes com Aids. Betinho dirigiu essa organização por onze anos.

Em 1990, liderou o movimento Terra e Democracia, que reuniu no Aterro do Flamengo, no Rio de Janeiro, milhares de pessoas para lutar pela democratização da terra

Em 1992, Betinho liderou o movimento pela Ética na Política, que culminou com o impeachment do então presidente Fernando Collor, em setembro do mesmo ano. 

Esse movimento plantou os alicerces do movimento Ação da Cidadania contra a Miséria e pela Vida. A partir da participação de Betinho, o problema da fome e da miséria tornou-se visível e concreto para todos os brasileiros.

Herbert de Sousa abriu várias frentes de trabalho, principalmente no seu relacionamento com a mídia. Em 1993, foi considerado "homem de ideias do ano", pelo Jornal do Brasil.

Um ser humano como Betinho, não precisa de data especial para ser homenageado. 
Todo dia, é um dia dele!


A alma da fome é política

A fome é exclusão. Da terra, da renda, do emprego, do salário, da educação, da economia, da vida e da cidadania. Quando uma pessoa chega a não ter o que comer é porque tudo o mais já lhe foi negado. 

É uma espécie de cerceamento moderno ou de exílio. A morte em vida. O exílio da Terra. Mas a alma da fome é política.

A fome é a realidade, o efeito e o sintoma. O ponto de partida e de chegada. A síntese, a ponta do novelo a partir da qual tudo se explica e se resolve. 

Porque não é episódica, nem superficial, revela fundo o quanto uma pessoa está sendo excluída de tudo e com que frieza seu drama é ignorado pelos outros. [...] Mas a fome é também o atestado de miséria absoluta e o grito de alarme que sinaliza o desastre social de um país, que mostra a cara do Brasil.

Como a miséria é a síntese e o nó de um processo, desvendar e atacar a miséria é também um modo de refazer radicalmente o Brasil. É pegar o Brasil pelo umbigo. 

A negação radical da miséria é um postulado de mudança radical de todas as relações e processos que geram a miséria. É uma interpelação a tudo e todos, é um passar a limpo a História, a sociedade, o Estado e a economia. É virar o Brasil pelo avesso. No concreto.

É assustador perceber com que naturalidade fomos virando um país de miseráveis, com que tranqüilidade fomos produzindo milhões de indigentes.

Acabar com essa naturalidade, recuperar o sentido da indignação diante da degradação humana, reabsolutizar a pessoa como centro e eixo da vida e da ação política é essencial para transformar a luta contra a fome e a miséria num imenso processo de reconstrução do Brasil e de nossa própria dignidade.

Por isso é que acabar com a fome não é só dar comida, e acabar com a miséria não é só gerar emprego, mas é reconstruir radicalmente toda sociedade.


Melhoramos, mas infelizmente, saudoso Betinho, ainda falta muito. Você partiu em 9 de agosto de 1997. Que falta você faz!

Trechos do texto publicado no Jornal do Brasil, em setembro de 1993.

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