Herbert de Souza, o Betinho. |
O combate à fome exige radicalidade. Não há como negociar com uma das condições mais indignas já produzidas pela espécie humana.
“A alma da fome é política”, disse, certa vez, o saudoso Herbert de Souza, nosso Betinho, que puxou um forte movimento nacional contra o flagelo da fome e continua como uma das importantes inspirações, ao lado de outros tantos, como Josué de Castro e Dom Hélder Câmara. Betinho dizia, corretamente, que a fome é exclusão
Em 1985 Betinho, após ter sido contaminado pelo HIV, contraído numa de suas inúmeras transfusões de sangue em virtude do tratamento da hemofilia, fundou a ABIA, uma associação para lutar pelos direitos das pessoas portadoras do HIV ou dos doentes com Aids. Betinho dirigiu essa organização por onze anos.
Em 1990, liderou o movimento Terra e Democracia, que reuniu no Aterro do Flamengo, no Rio de Janeiro, milhares de pessoas para lutar pela democratização da terra
Em 1992, Betinho liderou o movimento pela Ética na Política, que culminou com o impeachment do então presidente Fernando Collor, em setembro do mesmo ano.
Esse movimento plantou os alicerces do movimento Ação da Cidadania contra a Miséria e pela Vida. A partir da participação de Betinho, o problema da fome e da miséria tornou-se visível e concreto para todos os brasileiros.
Herbert de Sousa abriu várias frentes de trabalho, principalmente no seu relacionamento com a mídia. Em 1993, foi considerado "homem de ideias do ano", pelo Jornal do Brasil.
Um ser humano como Betinho, não precisa de data especial para ser homenageado.
Todo dia, é um dia dele!
A alma da fome é política
A fome é exclusão. Da terra, da renda, do emprego, do salário, da educação, da economia, da vida e da cidadania. Quando uma pessoa chega a não ter o que comer é porque tudo o mais já lhe foi negado.
É uma espécie de cerceamento moderno ou de exílio. A morte em vida. O exílio da Terra. Mas a alma da fome é política.
A fome é a realidade, o efeito e o sintoma. O ponto de partida e de chegada. A síntese, a ponta do novelo a partir da qual tudo se explica e se resolve.
Porque não é episódica, nem superficial, revela fundo o quanto uma pessoa está sendo excluída de tudo e com que frieza seu drama é ignorado pelos outros. [...] Mas a fome é também o atestado de miséria absoluta e o grito de alarme que sinaliza o desastre social de um país, que mostra a cara do Brasil.
Como a miséria é a síntese e o nó de um processo, desvendar e atacar a miséria é também um modo de refazer radicalmente o Brasil. É pegar o Brasil pelo umbigo.
A negação radical da miséria é um postulado de mudança radical de todas as relações e processos que geram a miséria. É uma interpelação a tudo e todos, é um passar a limpo a História, a sociedade, o Estado e a economia. É virar o Brasil pelo avesso. No concreto.
É assustador perceber com que naturalidade fomos virando um país de miseráveis, com que tranqüilidade fomos produzindo milhões de indigentes.
Acabar com essa naturalidade, recuperar o sentido da indignação diante da degradação humana, reabsolutizar a pessoa como centro e eixo da vida e da ação política é essencial para transformar a luta contra a fome e a miséria num imenso processo de reconstrução do Brasil e de nossa própria dignidade.
Por isso é que acabar com a fome não é só dar comida, e acabar com a miséria não é só gerar emprego, mas é reconstruir radicalmente toda sociedade.
Melhoramos, mas infelizmente, saudoso Betinho, ainda falta muito. Você partiu em 9 de agosto de 1997. Que falta você faz!
Trechos do texto publicado no Jornal do Brasil, em setembro de 1993.
Trechos do texto publicado no Jornal do Brasil, em setembro de 1993.
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