quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Lição de Política

Na faculdade o professor inicia a aula tratando da história da Filosofia Política, seus desdobramentos, suas nuances.

Um aluno perde a concentração do "feed de notícias" do Facebook em seu computador e interrompe o professor:

- Professor, tu me desculpa, mas essa história tá mal contada!

O professor, atônito em gênero, número, grau e pronome de tratamento, não consegue esboçar uma reação e o aluno continua.

- É que eu já fui vereador lá na minha cidade e, tipo assim, a política não é tão simples assim como tu coloca. Nenhum político importante que eu conheça faz igual esses caras aí que tu tá falando.

Já refeito do susto, o professor dá corda.

- E como é que fazem?

- Olha, professor, a gente tem que agradar o povo, sabe, porque o poder "dimana" do povo. Se o povo quer, a gente tem que fazer, entende? Teve um caso lá na minha cidade que eu votei contra e o dono da empresa prejudicada veio me infernizar. Trouxe até uns funcionários, entende?. 

Daí eu vi que o povo tava contra. Acabei ficando amigo do cara, porque ele me tratou bem depois. Elogiou no jornal, disse que eu era um bom vereador, e até contribuiu para a minha campanha no ano seguinte, entende? 

- Ah, entendi, mas do que tratava o projeto? 

- A empresa dele tava numa zona proibida para empresas. Só podia ser residencial, entende? Ele tinha uma empresa pequena de metalurgia. Dizem que reclamavam de barulho de esmeril, poeira, fuligem. Não sei. Só sei que não dá pra tirar um empresário do lugar em que ele estava, entende?

- Quando o empresário se estabeleceu a lei já proibia?

- Já. Mas, sabe como é, o cara foi deixando, deixando, e acabou ficando por lá mesmo. Até tinha vizinhos que reclamavam, mas não vieram nem na sessão da Câmara. Pra ajeitar o lado do cara, mudamos o zoneamento só no lote dele. Ficou beleza pra todos, entende?

- Talvez eles achassem que os vereadores deveriam fazer o papel de... ouvir o povo. Será?

- Olha, não sei. Eu vou muito em baile, sabe, e lá sempre a gente paga uma cerveja pra um e outro e ouve o povo. Todo mundo só elogia o meu trabalho. Pedem é pra eu não sair. Mas como fui fazer faculdade, não deu pra continuar, entende?

- Compreendo. Mas e o bem comum? E o interesse público? Como fica neste caso? A empresa sabia que estava se instalando em local inadequado. Instalou-se. E agora só o imóvel dela é que está em zoneamento diferente. Isso não parece jeitinho brasileiro?

- Professor, jeitinho não. O projeto é de "regularização". A gente resolveu tudo dentro da lei. Fizemos uma lei. Foi bem tranquilo. Agora ninguém tá mais incomodado.

- Uma lei para não aplicar a lei? E o futuro da cidade, como fica?

- Ah, nem moro mais lá. Agora que tô fazendo faculdade estou meio por fora. Mas vou dar uma passada lá no dia dos pais e na volta comento contigo.

Os olhos do aluno voltam-se abruptamente para a tela do computador. Alguém o chama para um bate-papo no Facebook. O professor olha incrédulo para os demais alunos. Dois alunos olham incrédulos para o professor. 

Os demais alunos olham para a tela do computador.

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