segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

O protesto silencioso

O processo tinha tudo de semelhante aos milhares de morosos que mourejam em escaninhos forenses: três anos e meio no primeiro grau e meia dúzia de meses na Corte estadual. A ação não era de alta indagação – mas apenas buscava receber de volta o que a argentária administradora de cartão de crédito cobrara a mais de uma consumidora.

Na comarca interiorana, a ação esperou por juízes titulares e substitutos; ficou para o ano seguinte “por falta de pauta”. E várias vezes recebeu despachos corriqueiros: “No período de substituição, não me foi possível apreciar o feito”; “Junte-se e diga a parte contrária”; “Façam-se os autos conclusos ao titular que proximamente assumir a comarca”.

Petições várias do advogado da autora passaram batidas sem sequer serem examinadas.

A juíza, em duas laudas, concluiu pela improcedência dos pedidos. O advogado da consumidora apelou e, no dia do julgamento, viajou centenas de quilômetros à capital para a sustentação oral. O presidente da câmara deu-lhe a palavra.

O profissional da Advocacia maneou a cabeça, olhou para os lados, ajeitou a gravata, pigarreou e nada disse.

- O senhor tem a palavra, doutor – repetiu o presidente.

O advogado olhou para o teto, consultou o relógio e permaneceu silente. Buscou algo nos bolsos, fez de conta que falaria, mas permaneceu calado.

A relatora pediu ao oficial de justiça que se aproximasse do advogado para verificar se ele estava bem. (E estava).

O presidente voltou à carga:

- Fale, doutor, ou perderá a ocasião!

Passavam-se três minutos de vácuo na sustentação oral, quando o advogado carregou da tribuna:

- Constatei como Vossas Excelências ficaram perplexos e aborrecidos com o meu silêncio. A minha muda performance temporária, na tribuna, foi proposital, para que Vossas Excelências aquilatem como se sentem as partes e advogados quando, anos a fio, pedem e pedem... e o Judiciário se omite. A minha cliente e eu sofremos um silêncio jurisdicional de três anos. O meu silêncio na tribuna, aqui, foi de três minutos, nada mais.

E por aí se foi, até adentrar no mérito da lide e pedir o provimento do recurso.

A relatora e o revisor nada comentaram sobre a inusitada situação e, votando, deram provimento à apelação.

O presidente – que era vogal, no caso - secamente, também proveu. Mas dedicou, após, longos minutos para criticar o advogado:

- Eu não o conhecia, doutor e depois de votar dando ganho de causa à sua cliente, registro o meu inconformismo com a sua atitude descortês, antiética, obtusa e negativamente surpreendente.

O advogado tentou explicar e o presidente seguiu furioso:

- Eu não mais lhe dou a palavra, afaste-se da tribuna. E saiba que doravante, quando eu presidir algum julgamento, jamais lhe facultarei o direito de fazer sustentações orais.

Julgamento encerrado, 3 x 0 para a cliente do advogado protestante, o acórdão foi publicado sem dedicar uma única linha ao quiproquó, limitando-se ao mérito da demanda.

O advogado agora está esperando que um novo processo seu caia na mesma câmara – onde pretende sustentar sem oposição. Por via das dúvidas, já informou à OAB, pedindo acompanhamento institucional.

- Aguardemos que um outro processo do advogado seja distribuído à mesma câmara, para então decidirmos em cima do caso concreto – opinou um conselheiro seccional.

E só se fala nisso na ´rádio-corredor´...
Espaço Vital

Nenhum comentário: