terça-feira, 26 de março de 2013

Pesquisa do Idec revela: a maioria dos chocolates nacionais tem baixo teor desse fruto


A Páscoa celebra a ressurreição de Jesus Cristo. Graças a tradições que não abordaremos aqui, a comemoração dessa data é feita de diversas formas, inclusive, com ovos de chocolate. 

Por isso, caro leitor, neste mês, provavelmente, chegará até você algum conteúdo jornalístico citando “milagres” envolvendo esse doce, como, por exemplo, que ele faz bem à saúde. Informações como essas são endossadas por estudos de renomadas (e nem tão renomadas) universidades do mundo, segundo as quais o chocolate contém substâncias que deixam as pessoas mais felizes – pois estimulam o cérebro a produzir mais serotonina, molécula que age na comunicação de neurônios e está relacionada à sensação de bem-estar – e diminuem a pressão arterial.

No entanto, recomendamos que, antes de se entusiasmar, você se informe sobre as características do chocolate que costuma consumir ou que pretende comprar nesta Páscoa. Esses benefícios à saúde são promovidos pelo cacau, mas, quase sempre, esse ingrediente é minoritário. 

Para ser chamado de chocolate, o produto deve ter, no mínimo, 25% de “sólidos totais de cacau”, de acordo com a Resolução no 264/2005, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). 

O chocolate é elaborado, portanto, com derivados do cacau, e não com o cacau in natura. São dois os derivados principais: a massa (ou liquor) e a manteiga.

“A massa é feita com as sementes do fruto, depois de terem sido fermentadas, secas, limpas, torradas, descascadas, moídas e refinadas.  Quando essa massa é prensada, surgem a manteiga e o pó de cacau”, explica Pedro Pio Campregher Augusto, pesquisador na área de chocolates do Instituto de Tecnologia de Alimentos – órgão do governo do estado de São Paulo. 

Para saber quanto de massa e/ ou manteiga de cacau há em nossos chocolates, o Idec comparou chocolates ao leite, meio amargo e amargo das 11 marcas mais comercializadas no Brasil: Arcor, Brasil Cacau, Cacau Show, Garoto, Hershey’s, Kopenhagen, Lacta e Nestlé. Também foram avaliados chocolates de três grandes redes de supermercado: Carrefour, Dia e Qualitá (marca do Grupo Pão de Açúcar).

EM BUSCA DO TEOR DE CACAU

Partindo da premissa de que os fabricantes cumprem a norma da Anvisa e de que os chocolates avaliados têm, no mínimo, 25% de cacau em sua composição, o primeiro passo foi verificar o rótulo dos produtos. Missão difícil: entre os chocolates ao leite, apenas os da Cacau Show têm o percentual de cacau estampado na embalagem. 

As outras dez não fazem nenhuma menção à quantidade do fruto. “Seria muito importante que o teor de cacau viesse impresso no rótulo. Fica a sensação de que essa informação é uma estratégia de marketing, usada apenas quando isso é conveniente aos fabricantes”, opina Ana Paula Bortoletto Martins, nutricionista do Idec.

Ainda não existe nenhuma lei que obrigue as empresas a colocarem esse dado na embalagem, mas, para o Instituto, seria razoável que essa iniciativa partisse dos próprios fabricantes.

O teor de cacau também não é estampado nas embalagens de muitos chocolates meio amargo e amargo. Dos oito chocolates meio amargo pesquisados, apenas três têm a preciosa informação indicada no rótulo: Cacau Show, Hersheys e Arcor. E entre os onze de chocolate amargo, dois não têm o dado: os tabletes de 40 e 85 g da Kopenhagen, e os tabletes de 20 e 100 g da Brasil Cacau (marcas que pertencem ao mesmo grupo).

O Idec foi então atrás do Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC) das empresas que não divulgam o teor de cacau na embalagem. Mais uma missão inglória. Apenas o Carrefour e o Dia revelaram os dados pedidos. Nas outras, ou o atendente disse que não dispunha da informação, ou que retornaria o contato posteriormente (o que acabou não sendo feito). 

Ou, pior, afirmou que esse dado é “segredo de fábrica”. O Idec considera que saber o teor de cacau de um produto que, oras, é feito de cacau não é um pedido de outro mundo. É uma informação básica, essencial e útil para quem está preocupado com o sabor e com a qualidade do produto que consome. 

E nunca é demais lembrar: o Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 6o, prevê que é direito básico do consumidor “a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição (...)”. Essas empresas que usaram o argumento do “segredo de fábrica”, depois de alguma insistência do pesquisador, acabaram citando a norma da Anvisa. Afirmaram, assim, que seus produtos seguem a legislação e que têm, portanto, ao menos 25% de cacau.

A tentativa final para se conseguir o áureo teor de cacau foi contatar as assessorias de imprensa das empresas. Mesmo assim, Arcor, Garoto, Kraft e Nestlé não divulgaram integralmente os dados.

O teor de cacau também foi questionado nos pontos de venda em que havia vendedores ou balconistas para orientar a compra (caso das marcas Kopenhagen, Brasil Cacau e Cacau Show). Mas, de modo geral, eles reagiram com surpresa à pergunta e ninguém soube responder com convicção. 

O destaque curioso foi a declaração de um funcionário da Kopenhagen, segundo a qual o chocolate ao leite da marca era “puro” e, portanto, teria 100% de cacau. Outra informação “estranha” foi passada pelo SAC da Brasil Cacau: o chocolate ao leite da marca teria 13% de cacau – abaixo do mínimo exigido por lei. Posteriormente, a assessoria de imprensa da empresa retificou a informação:35,76%.

NORMA POUCO RIGOROSA


[
O teor de cacau mínimo (25%) estipulado pela Anvisa já foi maiorUma Resolução da Comissão Nacional de Normas e Padrões para Alimentos (CNNPA), de 1978 (revogada em 2005), estabelecia que o “piso” de cacau deveria ser de 32% para qualquer tipo de chocolate. 

Especula-se que essa redução tenha ocorrido por pressão dos fabricantes. Há que se considerar também que o volume de cacau produzido no Brasil despencou devido à chamada “vassoura de bruxa”, um fungo que ataca os cacaueiros.

A norma atual contém ainda outro retrocesso: a inexistência de um limite para a adição de “gorduras equivalentes” (gorduras com propriedades físicas e químicas muito parecidas com as da manteiga de cacau, mas que não são de cacau). 

A norma anterior proibia qualquer adição de “gordura e óleos estranhos” ao chocolate. “Foi uma mudança brutal de legislação, o que certamente fez com que a qualidade do nosso chocolate caísse”, afirma Priscilla Efraim, professora da Faculdade de Engenharia de Alimentos - (Unicamp) e especialista em cacau. Ela aponta outro problema: 

“Não existem métodos analíticos para aferir se o teor mínimo é respeitado, principalmente porque quase todas as empresas usam essas gorduras parecidas com as do cacau. Assim, só nos resta acreditar que ao menos os 25% são respeitados”, ela diz.

A Anvisa alega que a legislação atual está fundamentada em um documento do Codex Alimentarius, fórum internacional de normatização do comércio de alimentos estabelecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS). 

Nesse documento há, realmente, menção a um teor de cacau mínimo de 25%. No entanto, esse percentual é válido apenas para chocolates ao leite. Se a denominação do produto for apenas “chocolate”, o teor mínimo recomendado aumenta para 35%.

Procuramos a Associação Brasileira da Indústria de Chocolates, Cacau, Amendoim, Balas e Derivados (Abicab), mas ela não se pronunciou até o fechamento desta edição.

Para mais informações clique Revista do Idec


Fonte: Revista do Idec

Nenhum comentário: