sexta-feira, 14 de junho de 2013

A verdade sobre José Dirceu

Em 3 de janeiro de 2003 um mineiro nascido em Passa Quatro, ex-líder estudantil e ex-militante de esquerda perseguido pela ditadura militar se tornava o segundo homem mais importante da República.

José Dirceu de Oliveira e Silva havia sido nomeado ministro-chefe da Casa Civil do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, o operário que chegou ao Palácio do Planalto. Juntos, esses dois homens de biografia extraordinária prometiam mudar o Brasil.

O primeiro ato que Dirceu assinou no cargo foi bem menos grandioso, mas revelador de seu caráter. Era uma portaria que mudava a ordem de entrada dos ministros nas solenidades do palácio. Historicamente, depois do presidente da República, vinha o titular do Ministério da Justiça, por ter sido a primeira pasta a ser criada.

Dirceu transferiu a prerrogativa para si: quem apareceria caminhando logo atrás do presidente seria ele, o chefe da Casa Civil — que, a partir de então, teria também a primazia no uso de carros oficiais e de aviões da Força Aérea Brasileira.

De autoria do jornalista Otávio Cabral, editor de VEJA, Dirceu — A Biografia (Record; 364 páginas; 39,90 reais, ou 27 reais na versão digital) conta esta e outras tantas histórias definidoras da personalidade do biografado, o que faz do livro um daqueles difíceis de largar.

Ao terminá-lo o leitor se pergunta como não adivinhou antes o desfecho. Está lá — revelado na forma de decisões imperiais, arroubos de grandeza e também viagens em jatinhos e noitadas com belas mulheres — o imenso apreço de Dirceu pelo poder e tudo o que dele decorre.

Também estão no livro a ojeriza do petista pela imprensa que não se verga à sua vontade e o embrião do herói sem causa em que se transformaria o líder estudantil mulherengo e bonitão o “Ronnie Von das massas”, como era chamado na década de 60.

As revelações do autor e a sagacidade com que observa detalhes da conduta e do passado do agora mensaleiro condenado antecipam o que hoje parece evidente: o norte moral de José Dirceu sempre foi regido por outra bússola.

Para escrever a mais completa e surpreendente biografia de um dos mais complexos e enigmáticos personagens da história recente do Brasil, Cabral analisou 15000 páginas de documentos garimpados no acervo de nove arquivos.

Entrevistou 63 pessoas, anônimas e públicas, cuja confiança conquistou ao longo dos treze anos em que atua como repórter de política — primeiro pela Folha de S.Paulo e, desde 2004, em VEJA.

O livro começa em Passa Quatro — onde o indisciplinado filho do dono de uma gráfica, terror da vizinhança e contumaz torturador de gatos diz à mãe, Olga, o que ele repetiria pela vida afora: “Um dia serei presidente da República”.

Narra sua mudança para São Paulo e os primeiros envolvimentos com a política e as mulheres, duas paixões que o dominariam ora como obsessão, ora como problema. As últimas, se não chegaram a ser a sua ruína, ficaram perto disso.

À conhecida história da Maçã Dourada, a bela agente do Dops infiltrada que seduziu o jovem cabeludo e quase encerrou sua carreira de líder estudantil Cabral acrescenta outras, como a da estonteante dançarina chinesa que, nos anos 60, fez o então caipira recém-chegado de Minas Gerais perder a cabeça — além de uma boquinha na TV Tupi como roteirista e ator.

Se as mulheres mudaram o destino de Dirceu, ele se vingou do destino sendo cruel com aquelas que o amaram — e não foram poucas. Três dos seus quatro casamentos terminaram com uma traição (da parte dele).

Otávio Cabral, VEJA

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