quarta-feira, 5 de junho de 2013

Diário da Série D: emoções fora de campo

Jogadores do time paraense viajaram
mais de 2,5 mil quilômetros para estreia
Com números impressionantes, o torneio mostra um pouco da realidade da grande maioria dos times do país: trata-se da única divisão do campeonato nacional com representantes de todos os 27 Estados brasileiros, com 40 equipes.

Nesta e na próxima semana, Gallas viaja pelo país acompanhando uma das equipes, o jovem Paragominas Futebol Clube, do Pará, time registrado na CBF há menos de um ano.

Enquanto colhe material para uma série de reportagens que serão publicadas pela BBC após o campeonato, que termina em outubro, Gallas também estará enviando suas impressões diárias, em tom de blog, sobre os bastidores dessa viagem e de suas experiências.

Veja abaixo os relatos de Daniel Gallas:

Emoções fora de campo - 04/06
Muito chão, pouco dinheiro - 03/06

Quase tão emocionante quanto acompanhar uma partida de futebol da série D é ver o que acontece do lado de fora do gramado.

A quarta divisão é a porta de entrada no sistema do futebol brasileiro para qualquer clube. A maioria dos Estados brasileiros têm direito a uma vaga, que fica com o melhor time do campeonato estadual daquele ano (excluindo-se todos os clubes daquele Estado que já estão nas Séries A, B ou C).

Para os jogadores e dirigentes de futebol, fazer um bom estadual – disputado no primeiro semestre - é o que decide se eles terão emprego de junho em diante. 

Tome-se o exemplo do Estado do Pará, onde oito times disputaram o Estadual até o mês passado. O campeão paraense, o tradicional Paysandu, já está na segunda divisão do campeonato brasileiro, devido a campanhas feitas em anos anteriores. O mesmo acontece com o Águia de Marabá, que está na Série C.

Os demais seis times do estadual do Pará disputavam uma vaga na Série D. O Paragominas FC, time que chegou à final com o Paysandu, fez surpreendente campanha em seu segundo ano de atividade, e ficou com a vaga.


Os cinco times que sobraram – Remo, Tuna Luso, Santa Cruz, Cametá e São Francisco – já não têm mais o que disputar em 2013. Muitos fecharam suas portas este ano, dispensaram treinadores, jogadores e funcionários e, com sorte e algum investimento, poderão tentar de novo a partir de janeiro de 2014. A rotina da maioria é: cinco meses de futebol, sete meses de desemprego.

"Se você quiser, eu te digo agora mesmo o nome de cem amigos meus que acabaram de ficar desempregados", diz Cacaio, ex-atacante do Flamengo, Guarani-SP e Paysandu, e recém contratado técnico do Paragominas. Como seu clube anterior, a Tuna Luso, não joga mais este ano, ele próprio estaria parado se não fosse pela proposta que recebeu.

Por isso, uma vaga na série D é vital para todos os que vivem de futebol. Mesmo sem televisionamento, a quarta divisão dá visibilidade local, atrai patrocinadores, empolga a torcida e gera compromissos até pelo menos agosto – ou outubro, para os melhores times, quando é jogada a fase final. É a única forma de gerar receitas no segundo semestre.

Essa pressão gera todo tipo de conflito, muitos deles disputados fora do campo. A poucos dias do começo da Série D, o Remo, outro tradicional clube do Pará e uma das maiores torcidas do Estado, entrou na Justiça desportiva reivindicando para si a vaga paraense na Série D. 

A lógica do Remo é que o time teve mais pontos que o Paragominas na tabela geral do campeonato estadual – mesmo não tendo chegado à final – e portanto mereceria a disputada colocação na quarta divisão.

Para aumentar ainda mais o clima de rivalidade e incerteza, o Remo anunciou a contratação de Charles Guerreiro, técnico que comandou o Paragominas à final do estadual paraense e ex-jogador do Flamengo. 

Muitos na imprensa local viram o investimento como o sinal de que o Remo conseguiria a vitória no tapetão. No mesmo dia do anúncio, o Paragominas contra-atacou com uma nova proposta a Charles Guerreiro e o convenceu a ficar no clube.

Mas Charles Guerreiro chegou em Paragominas e alegou que não havia clima para ficar, diante da reação hostil da cidade à sua volta, que considerou seu primeiro gesto uma traição. E novamente decidiu ir para o Remo, desta vez em definitivo.

Na quarta-feira à noite, um dia antes da viagem de 2,500 km para o primeiro compromisso na Série D no Acre, o Paragominas ainda não tinha garantias da Justiça desportiva de que jogaria o torneio. 

Quando os jogadores treinavam no gramado, a torcida – que comparece em bom número até para os treinos – comemorava nas arquibancadas a notícia ouvida recém no rádio: a justiça desportiva havia acabado de negar o recurso ao Remo, confirmando a vaga do Paragominas.

"Indeferido! Indeferido!", gritavam os torcedores, com a mesma intensidade de um gol. "O Remo tá fora!"

No gramado, os concentrados jogadores começaram a sorrir, entre eles Aleílson, que marcara dois dos três gols contra o Remo que colocaram o Paragominas FC na final do Paraense e na Série D. 

Os advogados contratados pelo clube acabavam de marcar o gol final e decisivo, no tribunal, que garantiu mais quatro meses de salários, jogos e tranquilidade a todos e suas famílias.

Daniel Gallas/Enviado especial da BBC Brasil 

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