sexta-feira, 21 de junho de 2013

New York Times: Partido esquerdista que governa o Brasil, nascido de protestos, fica perplexo com revolta.

Os protestos estavam esquentando nas ruas da maior cidade do Brasil, na semana passada, mas o prefeito não estava em seu escritório. Ele não estava nem na cidade. 

Ele tinha ido para Paris para tentar trazer a Feira Mundial de 2020 -exatamente o tipo de megaevento internacional caro que os manifestantes em todo o país têm ridicularizado.

Uma semana depois, o prefeito, Fernando Haddad, 50, ficou escondido em seu apartamento enquanto manifestantes se reuniam do lado de fora e outros quebravam as janelas de seu escritório, furiosos por ele ter se recusado a se reunir com eles, muito menos aceitado sua demanda de revogar o controverso aumento da tarifa de ônibus.

Haddad é uma estrela em ascensão no partido governante esquerdista, um político cujo nome é frequentemente citado como um futuro candidato presidencial. 

A forma como ele pôde interpretar tão mal o humor nacional reflete o descompasso entre um segmento crescente da população e o governo que se orgulha de políticas populares destinadas a tirar milhões de pessoas da pobreza.

Depois de chegar à proeminência após enormes protestos pela democracia, o governo do Partido dos Trabalhadores agora se vê perplexo com a revolta, olhando com espanto, enquanto a corrupção política, os serviços públicos sofríveis e o foco do governo em levantar a imagem internacional do Brasil com eventos como a Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016 inspiram indignação.

Na quarta-feira (19), dezenas de milhares de pessoas protestaram do lado de fora do estádio recém-construído, onde o Brasil enfrentou o México pela Copa das Confederações, enquanto a polícia tentava dispersá-los com gás lacrimogêneo, balas de borracha e spray de pimenta. 

Em um evento que normalmente seria um momento de orgulho nacional desenfreado, os manifestantes levantaram cartazes exigindo escolas e hospitais no "padrão FIFA", questionando o dinheiro que o Brasil está gastando na Copa do Mundo em vez de investir em saúde ou nas escolas públicas mal financiadas.

Com o crescente apoio às manifestações -uma nova pesquisa do Datafolha constatou 77% de aprovação dos moradores de São Paulo nesta semana, em comparação com 55% na semana anterior- o Prefeito Haddad e o governador Geraldo Alckmin, que é de um partido da oposição, curvaram-se na quarta-feira à noite (19), anunciando que, afinal, iam cancelar o aumento das tarifas de ônibus e metrô. Outras prefeituras, incluindo a do Rio de Janeiro, comprometeram-se em fazer o mesmo.

O aumento das tarifas pode ter sido o estopim que incitou os protestos, mas desencadeou uma onda muito maior de revolta contra os políticos de uma série de partidos, algo que o governo não esperava, como reconheceu abertamente.

"Seria uma presunção achar que entendemos o que está acontecendo", disse Gilberto Carvalho, assessor da Presidente Dilma Rousseff, aos senadores nesta terça-feira. "Nós precisamos estar cientes da complexidade do que está ocorrendo".

A onda de revolta é uma mudança impressionante das celebrações vertiginosas que ocorreram em 2007, quando o Brasil foi escolhido pela entidade máxima do futebol para sediar a Copa do Mundo. 

Na época, dezenas de alpinistas escalaram o Pão de Açúcar, no Rio de Janeiro, onde penduraram uma enorme faixa com as palavras "A Copa de 2014 é nossa".

"Nós somos uma nação civilizada, uma nação que está passando por uma fase excelente e temos tudo preparado para receber adequadamente a honra de organizar uma excelente Copa do Mundo", disse na época Ricardo Teixeira, presidente da Confederação Brasileira de Futebol.

Desde então, o sentimento em redor dos preparativos do Brasil para a Copa do Mundo, e tantos outros projetos do governo, mudou. O próprio Teixeira renunciou no ano passado, sob uma nuvem de acusações de corrupção e, enquanto o governo brasileiro diz que está gastando cerca de US$ 12 bilhões (em torno de R$ 24 bilhões) nos preparativos para a Copa do Mundo, a maioria dos estádios está acima do orçamento, de acordo com o tribunal de contas do próprio governo.

A fama do Partido dos Trabalhadores também foi manchada por um amplo esquema de compra de votos chamado mensalão, uma referência aos pagamentos regulares recebidos por alguns parlamentares. 

O escândalo resultou na recente condenação de vários políticos de alto escalão, incluindo um presidente de um partido e o chefe de gabinete de Luiz Inácio Lula da Silva, que foi um presidente popular brasileiro.

"Houve uma explosão democrática nas ruas", disse Marcos Nobre, professor da Universidade de Campinas. "O Partido dos Trabalhadores acha que representa todos os elementos progressistas no país, mas já estão no poder há uma década. Eles fizeram muita coisa, mas agora são o establishment".

O crescimento econômico que impulsionou as ambições globais do Brasil diminuiu consideravelmente, e a inflação, um flagelo que durou décadas, até meados da década de 90, ressurgiu como uma preocupação para muitos brasileiros.

Mas as expectativas permanecem elevadas entre os brasileiros, graças em grande parte ao sucesso do próprio governo em diminuir a desigualdade e elevar os padrões de vida para milhões de pessoas ao longo da última década. O número de estudantes universitários dobrou de 2000 a 2011, de acordo com Marcelo Ridenti, sociólogo proeminente.

"Isso gera grandes mudanças na sociedade, inclusive nas expectativas entre os jovens", disse ele. "Eles não esperam obter só um emprego, mas um bom emprego".

O desemprego ainda está em níveis historicamente baixos -em parte por causa da construção dos próprios estádios e de outros projetos que se tornaram a fonte da revolta entre alguns manifestantes. 

Mas os empregos bem remunerados permanecem fora do alcance de muitos graduados universitários, que veem uma diferença nítida entre as suas perspectivas e as dos líderes políticos.

"Eu acho que os nossos políticos ganham demais", disse Amanda Marques, 23 anos, estudante, referindo-se, não à corrupção, mas aos salários.

No início deste ano, o governador Alckmin anunciou que estava dando a si mesmo e a outros milhares de funcionários públicos um aumento de mais de 10%. Como resultado, o seu próprio salário deve subir para cerca de US$ 10 mil por mês. 

Os altos salários de alguns funcionários públicos têm sido uma inflamada fonte de ressentimento no Brasil, onde algumas autoridades ganham bem mais do que seus colegas em países ricos industrializados.

Alckmin e Haddad acompanharam os protestos juntos em Paris na semana passada em seus smartphones. Mas, na época, Alckmin fez pouco dos protestos como se equivalessem a uma greve de rotina dos controladores de tráfego aéreo em Paris, "algo que acontece".

"O que tem de acontecer é ser forte e agir com firmeza para evitar excessos", disse ele aos repórteres em seguida, antes dos protestos se espalharem pelas ruas de São Paulo e de dezenas de outras cidades em todo o Brasil.

Nesta semana, ficou claro o total erro de cálculo das autoridades. Em certa altura na terça-feira à noite, os manifestantes tentaram invadir o Teatro Municipal, onde o público assistia a "O Progresso do Libertino", de Stravinsky. 

As portas do elegante teatro permaneceram fechadas, e o programa continuou. Os manifestantes então picharam com spray a estrutura recém-reformada: "Botem fogo na burguesia".

The New York TimesCom a contribuição de William Neuman e Andrew Downie, no Recife/Tradução: Deborah Weinberg

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