quinta-feira, 7 de novembro de 2013

O casamento da censura com a propaganda

Pacifista extremado, inimigo de todo tipo de militarismo, Bertrand Russell chegou a ser duas vezes confinado pelo governo inglês por opor-se às guerras de 1914-18 e 1939-45. A primeira num quarteirão em Londres, a outra na Escócia. Era socialista.

Viajou à União Soviética nos primeiros anos do regime comunista e deparou-se com a férrea censura à imprensa e à liberdade de manifestação do pensamento. Mais o monopólio da propaganda pelo governo bolchevique. De volta à Inglaterra, irritado, escreveu que os russos mais felizes eram os analfabetos, aliás, naqueles idos a maioria, “porque a capacidade de ler, naqueles tempos de jornais subsidiados, era um obstáculo à aquisição da verdade”.

Não vamos chegar a tanto, o analfabetismo existe no Brasil atual, até em índices maiores do que há décadas atrás, mas nossos analfabetos, mesmo sem ler jornal, submetem-se a dois fatores iguais e mais sofisticados com os criticados pelo genial matemático e filósofo. Fala-se da censura e da propaganda. Não a censura policial de tempos atrás, sequer da propaganda dos governos, que obviamente existe. A realidade atual é sutil e perversa.

Surge muito mais profundo o risco enfrentado não apenas pelos analfabetos, mas por toda a população, diante dessa sofisticada manipulação imposta pelas elites.

Primeiro a censura, praticada com a cooperação dos próprios meios de comunicação: suprimiu-se, se é que algum dia existiu, o debate a respeito do que seria uma sociedade evoluída e organizada através da própria organização e evolução do indivíduo. Estabeleceram-se padrões que a mídia não contesta, mas, pelo contrário, integra-se neles. 

Lemos nas folhas e assistimos nas telinhas, agora telões, ser a livre competição a razão principal de nossas vidas. Obriga-se a todos considerar o vizinho do lado um adversário. 

O resultado é que as elites transformaram nossa existência num campo de batalha onde, não por coincidência, vencem sempre o mais forte e o mais esperto, sob a empulhação de que todos são livres para competir. Mentira, a competição se fere entre cartas marcadas.

Quanto à propaganda, serve para alimentar a farsa. Melhor para o cidadão sonhar com a troca anual de carro, a maioria sem poder, ou entregar-se à pirataria das facilidades bancárias, ou a comidas e remédios maravilhosos do que dedicar recursos e tempo, também quando pode e possui, para construir uma sociedade mais justa. Para instruir-se, instruir os filhos e meditar sobre os princípios e os fins de todos nós.

E nem adianta imaginar que seríamos mais felizes se fôssemos analfabetos. O casamento da censura com a propaganda gerou essa ilusão que sufoca o ser humano e impede a sociedade de alcançar suas possibilidades ideais. Um dia, quem sabe…

Carlos Chagas

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