terça-feira, 19 de novembro de 2013

PAÍS SANGRADO

Os presos depois de condenados na Ação Penal 470 do STF, processo do mensalão, aparecem na moldura mais humilhante, passando por grades e delegacias a caminho da prisão. Tem quem aplauda a primeira real condenação por corrupção que acontece neste país, até então considerado ilha de preservação e reprodução de corruptos, mas tem quem aclame os detentos como heróis da causa petista e brasileira.

Entre tanta diferença de avaliação, esse episódio dá luz à incongruência do nosso jovem sistema democrático, ainda aos disparates que ocorrem com o aval das leis. Ouve-se que roubar compensa, e realmente compensa muito roubar de cofres públicos quando deles se deveria tomar conta com austeridade e honestidade. 

A consideração das leis com os infratores e criminosos é, de certa forma, incentivo à delinquência já que o risco de ser preso é na prática nulo, e de devolver quanto se desviou, ainda menor.

O empresário, seja grande ou pequeno, o profissional liberal e o cidadão como entidade econômica são expostos ao rigor de penas severas em caso de não recolhimento de impostos e sonegação. 

Quando autuado por falta de pagamento, deverá fazê-lo em dobro, com juros e correção monetária mais mora, multas e etc., independentemente do ônus penal. Fica impedido de manter atividades econômicas e a possibilidade de operar às claras lhe é cassada.

E O DINHEIRO PÚBLICO?

Ir para a cadeia em regime semiaberto e escapar de uma devassa fiscal cumprindo um terço de pena são o que acontece agora, primeira vez neste país, depois de séculos de assaltos ao bem público. Quem se apossou do dinheiro público não foi condenado a devolver em dobro, pode apenas acontecer que depósitos bancários sejam bloqueados e reintegrados ao patrimônio público. 

Choram hoje os condenados pela falta de provas, entretanto, eles com as rédeas do poder nas mãos nunca sofreram uma busca, uma devassa, uma investigação que pudesse se dizer séria. Centenas de investigações mofam em gavetas, delegados são tirados das apurações.

Operações como a Esopo da PF que apontam bilhões desviados do FAT, propinas pagas na “venda” de 1.500 cartas sindicais, pararam pelo veto do Poder que emana do alto da União. Centenas, talvez milhares de casos aguardam desidratar, avançam apenas os que são de interesse da nomenclatura palaciana. 

O Brasil assim é aberto à ação predatória. Até parece que o sistema institucional brasileiro incentiva abertamente o peculato. Hoje o cidadão se queixa da corrupção que toma conta como mancha de óleo na superfície de águas outrora transparentes.

As multas aplicadas pelo STF aos mensaleiros não chegam a uma centésima, talvez milésima parte do quanto foi subtraído. Apenas no caso Visanet do Banco do Brasil, uma única operação de R$ 35 milhões passou pelo Valerioduto. Tem muito mais que desapareceu, e a penalidade financeira aplicada é irrisória. 

Surge aí que também se deu um “tucanoduto”. E daí? Um roubo não justifica outro, e os dois são condenáveis da mesma forma. O cidadão não pode admitir que o fruto de seu esforço para pagar impostos se perca nos ralos da corrupção.

E A RECEITA FEDERAL?

Onde atuou a prestimosa Receita Federal sobre os mensaleiros? Mais de 100 milhões foram detectados, apesar de se tratarem da ponta do iceberg do mensalão ocorrido no governo Lula – deveriam corresponder a uma atuação de mais de R$ 300 milhões. E o esforço para recuperar essa “suada arrecadação”? Na prática, nada. 

É aí que o Brasil é uma ilha sem lei, um paraíso ao peculato. O risco é baixo, e ainda a ideologização perversa do crime apresentado por políticos que comandam o esquema resvala na marota explicação: “para financiar campanhas”. 

Tentam confundir aos olhos dos desprevenidos que grande massa de dinheiro foi tirada da merenda escolar, do remédio, da assistência, dos investimentos públicos para financiar bandidos a continuar a abandalhar o país.

Afinal, a condenação à prisão não é o pior nem consegue se caracterizar como a pior das penas, ou algo que desestimule. O lojista que não recolhe o INSS de seu empregado é condenado a pagar em dobro, mais mora, mais multas, mais correção. A condenação pecuniária de todos os mensaleiros não cobre nem a metade de uma única operação de desvio de R$ 35 milhões.

Existe um Coaf – órgão obscuro e político na mão desse governo – que detectou como operação irregular (o que era regular) R$ 25 mil do caseiro de Palocci, mas não se apercebeu da lavanderia do mensalão escondendo centenas de milhões. O que faz esse órgão além de intrigas quando precisa defender um interesse político?

Hoje as empresas são ferrenhamente fiscalizadas, e os métodos de cobrança autorizam a se adotarem a presunção e mil interpretações casuísticas e frívolas, mas não se sabe de parlamentares e seus parentes incomodados pela Receita Federal. Esses condenados foram fiscalizados? E no que deu a fiscalização deles?

Inicialmente, quem trata de recursos públicos e seus familiares deveriam perder o sigilo bancário ao tomar posse e mantê-lo à luz do dia, ainda seu teor de vida medido por um órgão dedicado, e a cada ano 10% dos ocupantes de cargos públicos serem sorteados para uma rígida fiscalização.

VETO DE LULA

Ideias como essa existem há muito tempo, como existiu um projeto de lei aprovado que rende as entidades sindicais sujeitas ao controle do TCU, medida essa prontamente vetada por Luiz Inácio Lula da Silva. 

É muito mais fácil do que se pensa estancar desvios que, ao que calculam entidades balizadas, podem passar de uma centena de bilhões a cada ano e que nos últimos dez anos passariam de 1 trilhão. Essa é uma massa de dinheiro que só fica debaixo do tapete do Coaf, e de nenhum outro.

É de dar risada (ou chorar) os R$ 360 mil aplicados de multa a um dos mensaleiros, diminuindo R$ 1 milhão que lhe se aplicaram inicialmente. Evidentemente, o famoso ditado segundo o qual no Brasil roubar compensa é lei que rege nosso sistema, atrai, fomenta, estimula meliantes para a vida pública, canal mais rápido de se chegar à condição privilegiada neste sangrado país.


Vittorio Medioli (transcrito de O Tempo)

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