segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

A imprensa e o endeusamento de bandidos

O endeusamento de bandidos (principalmente traficantes) pela imprensa não é de hoje. Os mais velhos ainda devem se lembrar da minissérie noturna “Bandidos da Falange”, nos idos do assaltante Fernando da Gata, em que uma emissora procurava justificar as ações de bandidos, assaltantes e traficantes cariocas. 

A minissérie causava a simpatia e a admiração dos espectadores pelos traficantes, mesmo “sem querer, querendo”, e os levava a torcer contra a polícia, mostrando os bandidos sempre como “vítimas sociais”, pessoas de caráter e leais aos seus princípios, e as forças do Estado sempre “jogando sujo” contra eles.

É triste lembrar, mas na ocasião um pai atirou na própria filha (que havia se levantando durante a madrugada para beber água, sem ligar a luz) pensando que a silhueta dela fosse o pilantra, foragido da polícia na ocasião.

Na mesma emissora, no programa da noite de domingo, várias entrevistas procuraram trocar a repulsa do cidadão ao delinquente pela admiração: já foram entrevistados ladrões de carros para que mostrassem a destreza criminosa abrindo vários veículos em poucos segundos; o bandido ficou “cheio da moral” com os colegas!

No mesmo programa, assaltantes também já ensinaram ao cidadão-vítima como se comportar durante um assalto para não atrapalhar a ação ou assustar o criminoso e não despertar sua ira.

BANDIDO SEM CULPA

Sempre que alguém morre em um assalto ou estupro, a primeira coisa que se pergunta ao homicida é se a vítima reagiu. Se reagiu, tudo bem! Estará perdoada e justificada a covarde ação do criminoso e os ânimos e repulsa do narrador do telejornal contra o bandido estarão apagados! 

Mesmo que o verme esteja mentindo, sua palavra será considerada verdadeira e justificará a morte da vítima. Nem mesmo uma mulher estuprada e morta fará o repórter abrir mão da pergunta: “Ela reagiu?”

Se a reportagem for sobre uma rebelião carcerária, obrigatoriamente o repórter relatará se havia superlotação no presídio, mesmo que a causa da confusão tenha sido uma briga por um cigarro de maconha ou um acerto de contas entre iguais. Não importa: o número de vagas será computado como atenuante para os criminosos e justificativa para os piores crimes!

BANDIDO PALHAÇO

Lembro, ainda, que um traficante foi estrela naquele programa para retardados mentais apresentado das tardes de domingo. Acompanhado por uns engravatados, o traficante dizia-se arrependido e que tinha o grande sonho de trabalhar como palhaço. Chorou feito mamoeiro lanhado. E com direito a close oftalmológico do cinegrafista nas lágrimas que lhe banhavam o rosto! No final do programa conseguiu o emprego que queria em um circo.

Mas por que o programa nunca foi ao circo para ver como o seu pupilo estava progredindo? Ou será que foi e as notícias que encontrou lá não estavam com o acordo com o “alinhamento filosófico” da emissora e não daria uma boa reportagem?

LEONARDO PAREJA

Quem não se lembra do ladrão goiano Leonardo Pareja? Numa revista semanal, ele mostrou aos leitores (e aos jovens) que a vida deve ser medida pelas emoções sentidas, mesmo que a ação resulte em morte, sofrimento e perdas materiais para as vítimas dessas emoções destrutivas. 

Pareja se transformou em estrela tão rapidamente que foi assassinado na cadeia pelos amigos, ofuscados de inveja com tanto brilho! Reportagem muito educativa para os jovens desnorteados!

E os apelidos simpáticos e carinhosos e o respeito demonstrado pela mídia na simples menção do nome desses criminosos? Deixa a impressão que tentam identificar uma pessoa cruel, assassina, torturadora e sem princípios como se fosse um parente nosso, alguém que “entraria pela nossa cozinha”, que tem a nossa simpatia e que tratamos com nomes carinhosos: Escadinha, Beira-mar, Marcinho, Nem, Coelho, Lindão, Ronaldinho, Marcelinho, Fofão, Fabinho, e por aí vai! Se o bandido tiver nome feio, não cai no gosto da mídia. E não vai ser endeusado.

Francisco Vieira

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