segunda-feira, 13 de maio de 2013

PEC 37: É difícil dizer que a polícia é isenta

Alexandre Camanho, presidente da Associação Nacional de Procuradores
Alexandre Camanho, presidente da
Associação Nacional de Procuradores
 (Foto:Divulgação)

Na última terça-feira, representantes do Ministério Público, do Congresso Nacional, do Ministério da Justiça e da polícia se reuniram pela primeira vez para tentar acabar com o impasse causado pela PEC 37 – proposta de emenda à Constituição que concede poder exclusivo às polícias Federal e Civil de conduzir investigações criminais. 

Se a medida for aprovada, o Brasil entrará para um grupo restrito de países que proíbem promotores e procuradores de investigar: Quênia, Uganda e Indonésia. 

Para o presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), Alexandre Camanho, além do retrocesso na democracia que representa a proposta, também há de se observar que a polícia não passa por bons momentos: além dos problemas estruturais, falta de capacitação e efetivo, sua eficiência é questionada, principalmente quando o assunto é transparência e isenção. 

Ele ressalta a importância do trabalho integrado e se diz confiante de que o grupo formado para rediscutir a PEC 37 criará uma legislação que dê respaldo regimental para o Ministério Público continuar apurando crimes – em conjunto com a polícia. 

O novo texto da proposta deve ser apresentado até 30 de maio e seguirá para votação na Câmara em junho. 

Leia trechos da entrevista ao site de VEJA:

Como foi a primeira reunião do grupo de trabalho? 
Há perspectiva de consenso?Evidentemente havia uma tensão inicial, que logo foi quebrada. Senti claramente que o Congresso Nacional e o Ministério da Justiça querem uma solução no viés de regulamentar a legislação e de seguir para a solução do balizamento procedimental. 

O Ministério Público está de acordo e não vi a polícia se opor. O grupo tem a chancela do presidente da Câmara, que quer uma solução. Essa solução pode ser uma que torne sem sentido a crueza da PEC 37.

Essa nova baliza regimental manteria o poder de investigação do MP? 
Sem dúvida. Há no Congresso um sentimento majoritário de que a proposta é um instrumento extremado e que não deveria ser votada. 

Mas, ao mesmo tempo, os parlamentares que passaram por dissabores por questões eleitorais ou que recebem queixas de prefeitos de municípios por causa da atuação do Ministério Público vocalizam essa necessidade de o próprio Congresso opor balizas à nossa forma de investigar.

Mas esse poder de investigação seria diminuído? Isso é inegociável. Se querem que o MP não investigue crimes contra a vida, então tirem dele o dever de proteger a vida e a cidadania. Se não querem que investigue crimes contra o patrimônio público, tirem de nós a tutela dos direitos difusos e indisponíveis. 

Enquanto essa conexão existir, nós temos de ter a contrapartida, que é o poder de investigação. O que nós temos de fazer a Constituição nos atribuiu.

Mas, na verdade, a Constituição não atribui ao MP essa prerrogativa de investigar. 
Há uma regra de ouro no direito que diz: 'O claro não reclama interpretação.’ Se nós temos poder requisitório, atribuições cíveis e penais, se nós temos a atribuição exclusiva, privativa da ação penal pública e se nos é dado responsabilidade e tutela sobre inúmeros domínios, como eu posso te proteger bem se eu não puder empreender uma investigação que mostre se alguém fez mal a você do ponto de vista criminal? Isso é muito intuitivo. Não é questão de ser poder explícito, é obviedade explícita.

A polícia tem isenção suficiente para conduzir uma investigação? 
A ideia de um controle externo advém do fato de que pessoas armadas que estão no front do combate à criminalidade muitas vezes estão próximas demais, e isso acarreta uma série de problemas. 

Por isso há um setor de contra inteligência fortíssimo na polícia. Como é que pode haver uma investigação que atribua a toda a polícia isenção se nós somos um país campeão de violação dos direitos humanos pela própria polícia? 

Tem uma série de outras balizas que não são cumpridas: organização, eficiência, celeridade, cooperação. 

O bacharel em direito que é delegado de polícia e que chama para si por caráter uma isenção na investigação desconhece todo o resto do cenário conflituoso que a polícia vive. Já é difícil dizer que a policia é isenta. Muito mais difícil será dizer que é mais isenta que o MP.

O MP tem isenção para investigar? 
Nossa isenção é um imperativo do cargo. É uma magistratura vitalícia, que não sofre nenhuma pressão, nenhuma ingerência, nenhuma mudança de rumos da investigação. 

Quantos delegados são retirados da presidência de um inquérito? Isso jamais acontece no MP. Temos esse compromisso de que nós temos de denunciar com provas ou não denunciar. Se isso não é independência, isenção, ninguém mais tem. 

Dizem que uma das possibilidades de trégua seria o MP continuar investigando com a condição de que a denúncia seja oferecida pela polícia. Isso é uma maluquice, seria trocar de papel. A polícia, que não tem independência funcional, que não é uma magistratura, que é um setor do poder Executivo, ficaria responsável por denúncia? 

Se é para o MP fazer investigação criminal, mas não denunciar, e o delegado de polícia denunciar, então a gente faz o seguinte: pega um agrônomo e senta na cadeira de ministro do Supremo, pega o estivador e coloca na cadeira de presidente da República. A gente troca todos os papéis e vira a República dos bobos. 

Um dos argumentos da PEC 37 é que os integrantes do Ministério Público não dispõem de conhecimento técnico-científico para investigações. 
Todos os delegados de polícia no Brasil são bacharéis em direito. Qual é o conhecimento técnico-científico que eles têm? Delegado de polícia pode conhecer, mas não tem capacitação técnica nenhuma. 

O que a polícia tem são os peritos – e o MP também. Nós temos peritos em tudo: botânica, arqueologia, antropologia, medicina, sociologia. Quando eu preciso de uma prova técnica, peço para o perito resolver o problema.

Se a PEC 37 for aprovada, qual será a função do Ministério Público? 
Eu não trabalho com essa ideia. Recuso-me a acreditar que o Congresso seja de tal forma movido pelo ressentimento que ele retire responsabilidades de uma instituição que prestou relevantíssimos serviços à cidadania, à República, à Constituição e à democracia. 

Não penso um Brasil com um Ministério Público se retirando das investigações criminais

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